segunda-feira, 27 de julho de 2009

Do Lodo Ao Luxo


`[...] São Petersburgo adquiriu uma reputação de mistério que ela manteve por quase um século, perdendo-a quando deixou de ser a capital de um império. A principal cidade da Rússia foi construída por um tirano de gênio sobre um pântano e sobre ossos de escravos que aí apodrecem; isso foi a origem deste mistério - e a falha inicial. O Neva inundando a cidade já tinha sido uma espécie de obscura vingança mitológica (como Pushkin a descreveu): os deuses (dos pântanos) tentando recuperar o que lhes pertencia [...]`

(NABOKOV, V. in Nikolai Gogol. Avenida Niévski)

LUZ E SOMBRA: CONTRASTES

Na foto ao lado os casacos de pele sintética contrastam com a tropicalidade das sandálias havaianas. Esta foi a nossa primeira impressão da Rússia: Moscow é paradoxal. Do alto do domo mongol de uma catedral ortodoxa se avista, escancarado, o outdoor da BMW, um dos ícones do capitalismo motorizado. Andando pela velha Arbat na madrugada, intui-se que numa virada de esquina lá estará o velho Lenin, a comer seu big mac com fritas. Por todo lado o ranger de portas antigas sente-se ofuscado por telões de última geração. Os cinzentos e padronizados blocos-residência estatais chocam-se com a ocidentalidade capitalista da Nova Moscow, nicho plantado numa ala da cidade. As velhas ruas do período imperial, tomadas por carros modernos de luxo, são testemunha do vagar desamparado de mamushkas em busca de copeques perdidos no chão. O estilo Dior toma o espaço dos floridos camponeses de outras eras. A relutância contra a língua inglesa, pouco a pouco, curva-se à necessidade dos tempos. A pseudo-estagnação temporal da arquitetura antiga contrasta violentamente com o caos urbano contemporâneo. Os russos estão cruzando a ponte. Deixam de um lado o peso da tradição cunhada pelo Império, pelas guerras e por um sistema político fechado e vão ao encontro do mundo globalizado no qual cada um tem que escrever seu próprio destino e se responsabilizar por ele. Está sendo um parto...mas o bebê tem uma carinha boa!

Maria Fernanda Laurito e Lara Jatkoske Lazo

terça-feira, 21 de julho de 2009

Um Dia Viajamos

Do nada, viajamos. O rumo era Moscow e sabe-se lá mais aonde. Tínhamos uma trajetória definida. O resto seriam caminhos: Barrajas (Madrid), Shatura, St. Petersburgo. Rússia, terra de contrastes. De história viva, onde a cultura tem corpo. Velha senhora açoitada pelas Guerras, porém forte, misteriosa. Gente que se reinventa, de uma rusticidade sofisticada. Ortodoxia versus profano; tradição versus inovação; frugalidade atávica de sobrevivência versus consumo desenfreado. Povo em busca de uma nova identidade global. Dez dias não puderam abarcar a complexidade do país, mas serviram para revelar aquilo que está mais evidente. A atmosfera antiga conta das coisas novas, e a atmosfera nova evoca as coisas antigas. Amamos a Rússia! Um dia viajaremos novamente. Para Burkina Fasso.

PARA COMEÇO DE VIAGEM

VIAJAR! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E da ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem,
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

(PESSOA, F. Autopsicografia)